Microphotina cristalino é uma espécie intrigante. Só conhecida de dois machos adultos, encontrados na armadilha de luz, quase nada se sabe sobre sua história natural. Essa nova espécie, a primeira que descrevemos para a Amazônia, provavelmente vive no dossel, o que nos faz repensar a forma como enxergamos a diversidade da floresta.
Foi encontrada em 2021, durante a expedição :Austral, quando vivemos dois meses na RPPN Cristalino, sul do bioma, no Mato Grosso. Mesmo com intensas buscas, apenas a armadilha luminosa foi capaz de revelá-lo. Vivendo em meio ao Arco do Desmatamento, a espécie pode inclusive estar ameaçada, porém segue protegida pela RPPN e outras unidades de conservação e terras indígenas no entorno, o que nos levou a homenagear a reserva que recebeu a expedição e o rio Cristalino.
LANNA, FIAT, HERCULANO, RIVERA & PELOSO, 2023
"A new species of Microphotina Beier, 1935 from the southernmost region of Amazonia (Mantodea: Photinaidae)"
CABEÇA
Mais comprida que alta, com antenas vermelhas
CORPO
Translúcido e bastante esguio, com asas transparentes
ESTILOS
De forma triangular, quase tão largos quanto compridos
PLACA SUBGENITAL
Com uma entrada côncava e aguda
O MISTÉRIO DO DOSSEL
A descrição Microphotina cristalino foi feita com base em machos adultos, encontrados somente em nossa armadilha de luz não letal. Mesmo em dois meses de expedição não encontramos nenhum indivíduo da espécie nas buscas na floresta. Revisando a literatura, percebemos que o mesmo aconteceu para as outras quatro espécies do gênero Microphotina. Em apenas uma delas a fêmea é conhecida, a partir de um único exemplar. Isso significa que, fora os machos voadores atraídos às luzes, não se conhecem as fêmeas e jovens, que não voam, nem as ootecas. Assim, levantamos a hipótese de que seja um inseto de dossel, vivendo na copa das árvores e raramente descendo às partes baixas da floresta. E por isso, pode já estar ameaçado. Por viver nas partes altas, o louva-a-deus cristalino provavelmente depende de florestas preservadas. Infelizmente, a região faz parte do infame Arco do Desmatamento, onde a devastação mais avança. O ecótono Cerrado-Amazônia, essa região de contato e troca entre os dois biomas onde se insere a RPPN Cristalino, concentra uma biodiversidade riquíssima e única, porém já perdeu 40% de sua cobertura original.
PELAS FLORESTAS DO BRASIL
O gênero Microphotina, com suas cinco espécies, é conhecido apenas para a Amazônia. Antes deste nosso trabalho, estava registrado para as porções Norte e Oeste do bioma, regiões onde a floresta é bastante úmida o ano todo, e mesmo na dita "estação seca" há chuvas. O louva-a-deus cristalino estende a distribuição do grupo para o sul do bioma, onde existe de fato uma estação seca, com meses sem chuva alguma. A floresta lá é diferente do restante da Amazônia. A existência de Microphotina cristalino em tal ambiente levanta uma questão importante: será que a linhagem também se adaptou a outras matas, como trechos de florestas naturais da Caatinga e Cerrado, e principalmente a Mata Atlântica? Levantamos essa hipótese no artigo, e meses depois, antes mesmo dele sair, ela se confirmou. Essa história, porém, fica para a próxima publicação científica.
ARTE, CONSERVAÇÃO E CIÊNCIA
A primeira ilustração artística da nova espécie já existe - um trabalho encomendado ao incrível Henrique Vieira, artista visual e ilustrador. Nas formas finas de asas translúcidas, navegando pelo grande reino das copas da floresta, a noite amazônica recebe o pequeno Microphotina cristalino. É preciso celebrar cada novo ser que catalogamos para o planeta, lembrando a diversidade ainda desconhecida, ameaçada e bela que coexiste conosco. A arte é uma das mais importantes formas de expressão e conexão humana. A partir dela podemos despertar novos ou renovados olhares para a natureza. O trabalho de Henrique leva o louva-a-deus cristalino para o mundo, inspirando pensamento e movimento em prol da conservação. Ciência e arte caminham associadas na busca por reflorestar espaços e mentes, resistir e ocupar com biodiversidade. Conheça mais trabalho de Henrique Vieira em seu Instagram.